Disciplina - História

O regime militar brasileiro no cinema: opressão e resistência - Encaminhamento

Para debater as formas de opressão e resistência organizados no Brasil no contexto dos “Anos de Chumbo”, os alunos precisam ter conhecimentos prévios do contexto dos “Governos Populistas (1945-1964)”.

1ª Aula

Ao iniciar essa sequência de aulas, o professor retomará, de forma breve, por meio de uma aula expositivo-dialogada, o golpe militar de 1964, expondo suas causas e como a sociedade civil reagiu ao processo denominado pelos militares como “Revolução Anticomunista”. A exposição dialogada consiste em apresentar o tema/problema aos alunos e, ao mesmo tempo, dar espaço para as suas colocações e inquietações. Nesse processo de conversa com os estudantes, o professor observará quais são os conhecimentos prévios dos estudantes.
Nesse momento de retomada, o professor abordará o Ato Institucional n. 5, instrumento máximo da arbitrariedade da Ditadura Civil-militar. Com o AI-5 I as liberdades civis foram completamente suprimidas, e a face mais violenta do regime se manifestou: inaugurou-se os “Anos de Chumbo”. Para esse momento de exposição dialogada acerca do Ato Institucional número 5, o professor utilizará o material produzido pela historiadora Maria Celina D'Araujo, disponível no site da Fundação Getúlio Vargas – CPDOC. Entre as informações apresentadas pela autora, o professor destacará:

O ano de 1968, "o ano que não acabou", ficou marcado na história mundial e na do Brasil como um momento de grande contestação da política e dos costumes. O movimento estudantil celebrizou-se como protesto dos jovens contra a política tradicional, mas principalmente como demanda por novas liberdades. O radicalismo jovem pode ser bem expresso no lema "é proibido proibir". Esse movimento, no Brasil, associou-se a um combate mais organizado contra o regime: intensificaram-se os protestos mais radicais, especialmente o dos universitários, contra a ditadura. Por outro lado, a "linha dura" providenciava instrumentos mais sofisticados e planejava ações mais rigorosas contra a oposição.”
Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/AI5>. Acesso em: 16 dez. 2013.

Para destacar esses apontamentos, o professor fará as seguintes questões:
A. Na visão dos militares, o golpe de 1964 foi uma ação revolucionária para impedir uma suposta “ameaça comunista”. Qual era o contexto brasileiro na década de 1960?
B. Por que o AI-5 pode ser interpretado como um “golpe dentro do golpe”?
C. Desde 1964 as manifestações contrárias ao regime Civil-Militar eram recorrentes, o que mudou em 1968?
D. O que o grupo de militares “linha dura” organizava para combater o aumento de manifestações civis contrárias aos governo ditatorial?

Nessa primeira aproximação ao tema, os estudantes deverão perceber que resposta civil diante do AI-5 se deu pela ação armada. E para discutir as consequências desse mecanismo, o professor apresentará trechos do filme O que é isso companheiro? Os trechos do filme apresentarão aos estudantes alguns elementos sobre o contexto da Ditadura Civil-Militar no Brasil, mostrando como um grupo de jovens de classe média carioca se posicionaram frente a repressão imposta pelo regime. Esses fragmentos suscitarão uma discussão sobre os movimentos de resistência ao regime militar.

Encaminhamento para o trabalho com os trechos de filme:
1. Apresentação da sinopse (ficha técnica, curiosidades, prêmios, etc);
2. Exibição dos fragmentos;
3. Questões que articulem o conteúdo e os elementos da linguagem cinematográfica (enquadramento, trilha sonora, posição da câmera, montagem e fotografia).

1. Sinopse
Em 1964, um golpe militar derruba o governo democrático brasileiro e, após alguns anos de manifestações políticas, é promulgado em dezembro de 1968 o Ato Constitucional n. 5, mecanismo que acabava com a liberdade de imprensa e os direitos civis. Nesse período, vários estudantes encontram na luta armada uma opção para resistir. Em 1969 militantes do MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro) e ALN (Ação Libertadora Nacional) elaboram um plano para sequestrar o embaixador dos Estados Unidos para trocá-lo por prisioneiros políticos, que eram torturados nos porões da ditadura e esse filme retrata como foi esse sequestro a partir do olhar de Fernando Gabeira, autor do livro que inspirou o roteiro. Dirigido por Bruno Barreto e lançado em 1997, O que é isso companheiro recebeu o título de Four Days in September nos Estados Unidos e concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro daquele ano.

2. Fragmentos
O que é isso companheiro? - Opção pela luta armada
O que é isso companheiro? - Treinamento e ação armada

3. Questões:
Após a exibição dos dois trechos, o professor deverá explorar esses fragmentos a partir das seguintes questões:

A. Como a afirmação inicial do filme pode ser interpretada?
“Este filme é baseado num fato verídico, mas que está tratado sem se limitar a estrita realidade dos fatos. Alguns personagens são, às vezes, a fusão de três ou quatro fundindo-se comportamentos, ações e situações diversas na busca de uma síntese.”

Espera-se que os estudantes interpretem essa afirmação como uma informação dada pelo diretor aos seus espectadores que o filme é uma versão acerca do passado, uma narrativa possível. É importante que o professor deixe claro aos estudantes que um filme é uma produção de um diretor/produtor e estes sujeitos são motivados por interesses comerciais e estéticos. Por essa razão, um filme deve ser analisado enquanto produto. Este, em particular, foi baseado em uma obra literária e coube ao diretor do filme Bruno Barreto dar a sua interpretação dos fatos narrados pelo autor do livro, o jornalista Fernando Gabeira. O filme possui uma narrativa linear e foi muito criticado na ocasião de seu lançamento. A pesquisadora Indiara Lima, analisou o impacto da obra de Bruno Barreto e observou as críticas que cercaram o filme:

Misturando ficção e realidade, o filme buscou reproduzir ações reais, muitas das quais de sérias consequências para os verdadeiros envolvidos, utilizando se de nomes e referências históricas que acabaram por provocar o descontentamento de ex-militantes, críticos de cinema e historiadores. A fim de trazer à tona os fatos verídicos daquela ação revolucionária, surgiram protestos e tentativas de esclarecimento. A polêmica dizia respeito à construção da memória dos militantes participantes do ato feita pela narrativa, o que provocou a revolta de suas famílias pelo modo como foram representados no filme e na ação reproduzida, levantando a questão sobre os limites do cinema na reprodução fiel de figuras e fatos históricos. (LIMA, 2012, p. 42)

Essas observações são interessantes para que os estudantes percebam que a obra cinematográfica permite discussões para além dos circuitos artísticos e esse impacto deve ser apontado pelo professor nesse momento de reflexão.

B. Durante uma conversa entre os amigos César, Artur e Fernando, como podemos interpretar a afirmação à luz do contexto da Guerra Fria: “A modéstia nunca foi o forte deles” (…) A lua foi tomada pela cavalaria yankee”. “Se fosse um camarada soviético tava babando de prazer.”

Como resposta dessa questão, os estudantes deverão relembrar a posição do Brasil no cenário da Guerra Fria e identificar a “cavalaria yankee” como os EUA. Essa frase se insere no contexto da Guerra Fria, onde os Estados Unidos e a União Soviética se colocaram lado a lado na disputa pela conquista do espaço. O personagem César demonstra simpatia pelas ideias socialistas e menospreza a conquista estadunidense no espaço. O professor deve destacar que os movimentos de luta armada no contexto dos “Anos de Chumbo” tinham como referência a Revolução Cubana, movimento presente no imaginário estudantil que se opunha ao regime Civil-militar. Nessa questão, o professor deverá destacar a figura de Fidel castro e Ernesto “Che” Guevara como ícones dos guerrilheiros brasileiros e como essa admiração reforçava o desprezo pelo alinhamento político do Brasil com os Estados Unidos. Nesse sentido, a escolha pelo sequestro do embaixador americano torna-se bastante relevante como forma de protesto contra o regime militar.

C. Quando Marcão diz aos presentes no banco: "Atenção, isso aqui não é um assalto, isso aqui é uma expropriação revolucionária". Ao apresentar essa cena, o diretor Bruno Barreto deixa claro ao expectador como os grupos guerrilheiros se organizavam para manter suas ações de combate ao regime militar. Mas como entender essa ação como um crime político? Quais eram as motivações dessa ação?

Espera-se que os estudantes respondam que a luta armada como resistência ao AI - 5 precisava de recursos e o dinheiro não seria usado para o uso individual, consumista, mas sim para o bem de todos, ou seja, combater o regime militar. A motivação dessas ações foram muito comuns em São Paulo, centro financeiro do País – assunto para a aula seguinte.

2ª Aula

Nesta segunda aula os estudantes se aproximarão dos seguintes temas: guerrilha urbana e repressão aos guerrilheiros, (identificados como “terroristas”) por ex-membros da Oban. Esses temas serão trabalhados a partir de dois trechos dos filmes Cidadão Boilesen.

Encaminhamento para o trabalho com os trechos de filme:
1. Apresentação da sinopse (ficha técnica, curiosidades, prêmios, etc);
2. Apresentação dos fragmentos;
2. Questões que articulem o conteúdo e os elementos da linguagem cinematográfica (enquadramento, trilha sonora, posição da câmera, montagem e fotografia).

1. Sinopse:
O documentário Cidadão Boilesen, dirigido pelo diretor Chaim Litewski de 2009, revela as ligações de Henning Albert Boilesen (1916-1971) com as ações violentas da ditadura militar. O empresário dinamarquês, naturalizado brasileiro, ocupava o cargo de presidente do grupo Ultra e financiava a repressão da temível Oban (Operação Bandeirantes). Além de colaborar com tortura, Boilesen foi acusado de participar de diversas sessões de tortura como observador. Em 1971 foi assassinado por militantes do Movimento Revolucionário Tiradentes, o MRT e da Ação Libertadora Nacional (ALN), na cidade de São Paulo.

2. Fragmentos:
Cidadão Boilesen – Opção pela guerrilha urbana
Cidadão Boilesen – Formação da Oban

3. Questões:
Após a exibição dos dois trechos, o professor deverá explorar estes fragmentos a partir das seguintes questões:

A. Quais foram as motivações dos depoentes para a organização da guerrilha urbana? Quais as razões para a organização da Oban? Quem compunha a Operação Bandeirantes?

Espera-se que os estudantes enfatizem que as organizações guerrilheiras visavam combater a violência com violência. Para os ex-militantes, a ditadura Civil-Militar não poderia ser combatida de outra forma que não fosse pela ação armada. De acordo com os entrevistados do filme, a formação da Oban foi uma resposta à organização das guerrilhas urbanas, uma necessidade militar contra as forças de esquerda, uma tentativa de combater o aumento de assaltos as instituições financeiras. Mas o assassinato do capitão americano Charles Chandler colaborou decisivamente para a formação da Oban.

B. “O inimigo está no interior do próprio país”, como o Exército deveria agir para combater esse inimigo? Como agiam os guerrilheiros, denominados como “terroristas”?
Os alunos deverão reconhecer que a Oban era chefiada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, considerado um sádico, ele foi responsável pela tortura de centenas de pessoas que se opunham a Ditadura Civil-Militar. Depois da exibição dos trechos, o professor promoverá uma discussão acerca da guerrilha urbana e de como os estudantes da década de 1960 compreenderam que essas organizações armadas eram formadas por jovens universitários que buscavam combater o regime militar.

Para continuar essa aula, o professor deverá explicar aos estudantes que a violência física não foi a única forma de combater os “terroristas”. A partir dos anos 1970, o Exército passou a trabalhar de forma “mais profissional” e buscou investir tática da infiltração. Sabendo disso, deverá ser lido coletivamente o fragmento do artigo A lógica da suspeição: sobre os aparelhos repressivos à época da ditadura militar no Brasil, da historiadora Marion Magalhães.

O fragmento abaixo deve ser lido com os estudantes para que eles percebam qual era lógica dos torturados do Sistema Nacional de Inteligência e qual era função da tortura, conforme as conclusões da autora.

A lógica da suspeição: sobre os aparelhos repressivos à época da Ditadura Militar no Brasil

Segundo o depoimento de um militar que foi chefe do SNI nos anos setenta, a tortura devia ser preterida em favor da infiltração pelo menos por dois motivos: primeiro, por macular a imagem do governo e, segundo, porque os próprios suspeitos já haviam desenvolvido uma certa experiência que lhes permitia driblar os interrogadores. Isto se confirma no trecho de um relatório do SNI, redigido em 1969:

Os subversivos têm se negado, cada vez mais, a dar quaisquer informações. Os últimos elementos detidos, apesar de submetidos aos mais cerrados interrogatórios, negaram-se a declarar até o próprio nome. Decorrido um determinado tempo, falam sem problemas, mas porque este é o tempo demarcado para que os demais companheiros saiam dos seus aparelhos.
Se a tortura tinha ainda alguma utilidade, conforme um militar que esteve à frente do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) entre 1972 e 1974, era no sentido de intimidar aqueles que não estavam preparados para aquela guerra:
O medo é o grande auxiliar do interrogatório. Os ingleses, por exemplo, recomendam que só se interrogue o prisioneiro despido porque, segundo eles, uma das defesas do homem e da mulher é a roupa, e tirando a sua roupa, fica-se muito agoniado, num estado de depressão muito grande.
Depois (de um interrogatório) grande parte abandona suas atividades e retorna à boa vida de pequeno burguês. (...) Os frios, evidentemente que não. Esses eram muito estruturados, muito rancorosos, e só pensavam na volta, no troco. Quando liberados, retornavam ao grupo terrorista.
Daí se depreende que a tortura, além de servir como técnica para obter algumas informações, funcionava também como instrumento para desmobilizar as oposições por meio da intimidação, atingindo não apenas aqueles que eram a ela submetidos, mas também, e talvez principalmente, os grupos e movimentos de que faziam parte tais indivíduos, uma vez que a experiência com os interrogatórios era transmitida aos demais.

Referências
MAGALHAES, Marionilde Dias Brepohl de. A lógica da suspeição: sobre os aparelhos repressivos à época da ditadura militar no Brasil. Rev. Brasileira de História, São Paulo, v. 17, n. 34, 1997.


Após a leitura, o professor fará uma exposição dialogada do conteúdo – conforme indicada na primeira aula - para que os estudantes percebam a lógica dos torturados do Sistema Nacional de Inteligência e qual era função da tortura, conforme as conclusões da autora: a tortura servia como “instrumento para desmobilizar as oposições por meio da intimidação, atingindo não apenas aqueles que eram a ela submetidos, mas também, e talvez principalmente, os grupos e movimentos de que faziam parte tais indivíduos, uma vez que a experiência com os interrogatórios era transmitida aos demais.” (MAGALHÃES, 2007, p. 3)
Durante o momento de exposição dialogada o professor poderá diagnosticar, por meio de perguntas, como foi a compreensão dos estudantes acerca dos temas debatidos ao longo dessa sequência de aulas. As questões feitas aos estudantes deverão ser complexas, não apenas perguntas que emitam algum juízo de valor. A questão, “o que você achou do assunto?”, por exemplo, não possibilitará a construção de uma “narrativa histórica” (RÜSEN, 2001). As questões indicadas para esse momento final são:
1. Como o AI-5 motivou a organização de formas de resistência civil?
2. Como os jovens que se opunham ao regime Civil-Militar se agruparam para combater ao sistema opressor da ditadura?
3. Quais eram os objetivos das guerrilhas urbanas? Em qual movimento latino-americano elas se inspiraram?
4. Como o Exército reagiu diante dos movimentos armados formados por oponentes ao regime?
4. O que foi a Oban? Quais eram suas práticas de repressão?
5. Além da violência, como o regime civil-militar buscou reprimir os oponentes chamados de subversivos ou terroristas?
6. Fale sobre as formas de opressão e resistência no contexto dos “Anos de Chumbo”.

Para finalizar, o professor lançará uma questão como uma proposta de reflexão, para que o estudante se perceba como “sujeito histórico” ativo na sociedade em que vive.
É possível perceber formas de violência institucionalizada na contemporaneidade? Quais? Como a sociedade civil organizada combate esse tipo de violência?

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