Disciplina - História

História

10/06/2010

África abre a Copa do Mundo do contraste

A festa que os sul-africanos promoveram nesta quarta-feira nas ruas das principais cidades do país para celebrar a chegada da Copa do Mundo não levou em consideração o lado B da organização do evento. Há muito a ser passado a limpo pelo governo local. A começar pelo estouro no orçamento que, em seis anos, saltou sete vezes, passando de US$ 300 milhões para US$ 2,1 bilhões – de acordo com um estudo de mais de 250 páginas publicado pelo Instituto de Estudos de Segurança (ISS, sigla em inglês). Em reais o investimento equivale a aproximadamente 3,8 bilhões. O rombo, porém, pode ser ainda maior. No país já se fala que o montante ultrapassou a casa dos US$ 4 bilhões – boa parte do dinheiro aplicado na construção de cinco novos estádios e na reformulação de outros cinco complexos.
Às contas que não fecham somam as suspeitas de corrupção. O mesmo levantamento da ISS indica pelo menos quatro pontos curiosos. O primeiro – e mais grave – refere-se à construção do Estádio Mbom­­­bela, em Nelspruit. Presidente da assembleia local à época, Jimmy Mohlala denunciou, ainda em 2008, a existência de fortes indícios de corrupção por parte do consórcio composto por uma empresa sul-africana e outra francesa que havia vencido a licitação para erguer a praça esportiva por 100 milhões de euros (cerca de R$ 220 milhões). Suspeita confirmada, os representantes do poder público responsáveis pelo contrato foram demitidos. Mas Mohlala não pôde comemorar. Apareceu morto em fevereiro. O crime está sob investigação. As concorrências para a compra de cimento e metal também estão na mira da Justiça. Existe a desconfiança de um cartel entre os fornecedores, que elevou os preços das matérias-prima em 20% antes do início da construção das arenas. A ISS alerta ainda para a nebulosa relação entre trabalhadores públicos e as empresas gerenciadoras dos contratos. O estudo diz que muitos funcionários tinham cargos – e recebiam salários – nas duas pontas da relação, em um jogo de interesses comandado por experientes lobistas que controlou mais de 60 milhões em obras.
Por fim, quem entrou recentemente na mira das cobranças foi a prefeitura de Johannesburgo, que entregou a administração do gigante Soccer City à modesta National Stadium SA (NSSA) por dez anos. Segundo a ISS, a receita no período seria suficiente para pagar com folga o investimento aplicado no palco da abertura e da final da Copa do Mundo, algo em torno de 350 milhões euros (R$ 770 milhões). Verba que foi pelo ralo sem a materialização de duas promessas incluídas no pacote Copa. O trem rápido de Johannesburgo até Pretória não passa de alguns viadutos e muitos buracos escavados. Levará anos para servir à população. O mesmo vale para o ônibus que ligaria o centro ao aeroporto da mais importante cidade da África do Sul – apenas um ramal, do centro ao Soweto, entrou recentemente em funcionamento. As desconfianças, porém, não são suficientes para diminuir o entusiasmo dos sul-africanos. “Isso [corrupção] sempre existe. O importante é que o Soccer City está bem aqui [aponta o dedo] e a Copa começa na sexta-feira”, disse Wesley Vanrooyen, resumindo o pensamento de muitos conterrâneos.
Lição de “como não ser feito” que deveria ser estudada pelo Brasil, sede do próximo torneio da Fifa (2014), e ainda envolto com as desconfianças relacionas aos Jogos Pan-Americanos de 2007. (Carlos Eduardo Vicelli e Marcio Reinecken)
Fonte: Gazeta do Povo
Publicado em 10/06/2010. Todas as modificações posteriores são de responsabilidade do autor do texto.
Recomendar esta notícia via e-mail:

Campos com (*) são obrigatórios.